Alguns livros chegam até nós com a promessa de nos tirar do lugar comum, de deslocar certezas e provocar desconforto. Foi exatamente essa a sensação que tive ao ler O cheiro azedo da grama, de Luiz Henrique Dourado publicado pela Editora Oficina Raquel.
A narrativa é conduzida por Carmen, uma protagonista-narradora que enfrenta a dor mais inominável: a perda da filha, Aline. Eu não tenho filhos, mas imagino o quanto a maternidade pode envolver muitos sentimentos, desde amor, como raiva, e muita tristeza se envolve a morte. Por isso fiquei curiosa com a leitura logo de cara.
O romance alterna entre um presente anestesiado pelo luto e lembranças intensas, carregadas de amor, raiva, culpa e desejo. É nesse vai e vem entre memória e realidade que o autor constrói um retrato inquietante da relação entre mãe e filha, que não é nenhum conto de fadas e sim bem real, marcado por conflitos de identidade, expectativa social e sobrevivência emocional.
Logo nas primeiras páginas, a escrita pode ser meio cansativa, parecer confusa e fragmentada, como se refletisse a própria mente dilacerada da narradora. Eu fiquei bem confusa no começo. Mas essa aparente desordem logo se revela um recurso literário, capaz de nos fazer sentir a instabilidade do luto. É uma prosa forte, muitas vezes dura, que pode conter alguns gatilhos (por isso não é para todas as idades essa leitura) mas também carregada de lirismo e profundidade.
Mais do que um livro sobre a perda, O cheiro azedo da grama dialoga com temas atuais e universais. Luiz Henrique Dourado usa a dor íntima da protagonista para revelar o quanto nossas relações hoje estão atravessadas pelos fingimentos possíveis das redes sociais.
Com um humor ácido e uma crítica contundente, o autor desmonta mitos afetivos, expõe violências invisíveis do cotidiano e nos obriga a olhar para os limites da linguagem, da sanidade e até mesmo do amor.
No fim, o romance deixa a sensação de que acompanhamos um grito que não pôde ser solto — ou talvez o silêncio pesado que permanece depois dele. É literatura que incomoda, que não oferece consolo fácil, mas que cumpre sua função de tocar profundamente quem lê.
O cheiro azedo da grama é um livro que exige entrega. É intenso, perturbador. O autor nos convida a atravessar a escuridão do luto e, ao mesmo tempo, a refletir sobre as máscaras sociais que insistimos em usar. Não é uma leitura para ser feita com pressa, mas para ser sentida em cada linha — mesmo quando não é tão "fácil" ou prazeroso ler as palavras.
Postar um comentário
Espero que tenha gostado da postagem. Também vou adorar ler sua opinião.
Não deixe de seguir o blog nas outras redes: Instagram | Youtube | Facebook | Twitter